Decisão: Marido indemnizado por mulher perder desejo sexual após acidente
Sexo dá indemnização (ACTUALIZADA)
O romântico amor platónico cai bem aos poetas, mas não calha bem com o dia-a-dia da nossa sociedade de hoje.” A certeza é dos juízes-conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça que entenderam indemnizar um funcionário judicial por a sua mulher, na sequência de um acidente de viação, ter perdido o desejo sexual.
'Se o acidente de viação provocou lesões ao seu cônjuge que a impedem de ter relações sexuais, na medida em que isso afecta o casamento, sentindo-se o autor também afectado, está provado o nexo de causalidade entre o evento e o dano, que se configura como dano não-patrimonial', dizem os magistrados que, no total, atribuíram ao casal uma indemnização de 667 mil euros.
A falta de desejo sexual é invocada no mesmo acórdão para atribuir parte da indemnização à mulher, igualmente por danos não-patrimoniais: 'Uma vez que a sua qualidade de vida ficou profundamente afectada, os seus direitos conjugais amputados numa parte importante (...) e os seus projectos de ter mais filhos comprometidos'.
O acórdão, a que o CM teve acesso, conta a história de ‘Maria’, nome fictício, que, em 2003, foi vítima de um acidente de viação violento. Sofreu traumatismo craniano grave, esmagamento da massa encefálica e perfuração do crânio. Esteve internada 45 dias nos Cuidados Intensivos do Hospital de Braga e, ao regressar a Barcelos continuou em tratamentos de Neurologia, Ortopedia, Psiquiatria, Urologia, Cirurgia Plástica e Oftalmologia.
No mesmo acórdão lê-se ainda que ‘Maria’ era proprietária de uma fábrica têxtil e auferia mensalmente cerca de mil euros. A incapacidade total sofrida impede--a ainda de voltar a trabalhar, tendo o marido também estado de baixa médica durante cerca de um ano, com reflexos na subida da sua carreira profissional.
CALCULADA IDADE DE VIDA DA VÍTIMA ATÉ AOS 85 ANOS
Para calcular o montante de parte da indemnização (graças à necessidade de acompanhamento diário devido às lesões) o Supremo teve como pressuposto a diferença entre a data em que regressou a casa – 10/09/2003 – e os 85 anos 'tempo provável de duração de vida'. 'Considerar--se-á ainda um salário médio mensal de 600 €, tendo em conta não só o valor do salário mínimo nacional para 2008, como também a previsível necessidade que o auxílio da terceira pessoa se prolongue para além das oito horas da jornada de trabalho diária, sendo certo que o acompanhamento se há-de fazer mesmo aos fins-de-semana, feriados e férias', dizem os juízes que defendem o tempo de duração da despesa como sendo de 528 meses. 'Deste modo, esta parte da indemnização é fixada em 316 800 €', pode ler-se no acórdão.
INTERPRETAR O LEGISLADOR
Os juízes são claros no acórdão. A lei deve ser interpretada segundo os princípios racionais e não apenas analisada à letra. Por isso, não faz sentido, dizem, indemnizar alguém só em caso de morte. Um exemplo que referem é o facto de, por exemplo, uma criança sofrer ferimentos graves que a tornam incapaz para a vida adulta. Sofrerão menos os pais por ela não ter morrido?, perguntam os magistrados, concluindo que tal não faz sentido.
'Não se vê que este entendimento das coisas possa originar, como já se tem dito, a abertura duma tal ou qual caixa de pandora', acrescentam depois os magistrados, lembrando que os tribunais devem exigir 'sempre e em todos os casos que os danos morais sejam graves, medindo essa gravidade por padrões objectivos mais ou menos estritos'. A 'não-consumação do casamento é um desses casos graves', concluem.
PORMENORES
50 MIL POR IMPOTÊNCIA
Uma mulher vai ser indemnizada porque o marido ficou impotente num acidente de viação. A decisão foi tomada em Maio pelo Supremo Tribunal de Justiça, que condenou a seguradora do responsável pelo acidente ao pagamento de 50 mil euros.
JURISTA DEFENDE
Os juízes citam o jurista Jorge Duarte Pinheiro e a sua obra ‘O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal’. 'O acto ilícito de terceiro que impossibilita uma pessoa casada de ter relações sexuais viola direitos de duas pessoas (...) o direito à integridade física de que é titular a «vítima principal», e o direito de coabitação sexual, pertencente ao cônjuge.'
DOIS ACÓRDÃOS
Em dois acórdãos, da Relação do Porto e de Coimbra, já se defendia que, se 'a lesão em causa ofende directamente o direito à sexualidade', esse direito deve ser encarado como um direito de personalidade dos envolvidos.